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terça-feira, 23 de abril de 2019

Amores Caninos - Nei Lisboa

 

Deus é pai, dizem, e finalmente o Luther chegou lá também. Meu pastor alemão nascido na Tinga beira a terceira idade, na tabela canina, e mais um pouco passava pelo mundo sem conhecer a graça de uma bimbada e sem deixar prole. Nunca lhe faltou boa pinta, ao contrário, e muito menos apetite para a função, mas foram raras as oportunidades em que pôde apresentar seus dotes. Ao dono, confesso, talvez aborrecesse batalhar para o cão o que para si próprio já era escasso. Enfim, algumas chances teve, às vezes mais para o lado da chanchada que do romantismo.

A primeira desastrada tentativa deu-se com uma vizinha balzaca, de raça indefinida, e certamente passada do momento propício, pelo mau humor pré-menstrual com que confinou o jovem pretendente ao fundo do pátio e declarou-se exclusiva proprietária da água e da comida. Bastaram dois dias para que se abortasse a operação e alguns anos para tentar novamente um acasalamento sem traumas.

A segunda noiva era em tudo o oposto, meiga, amorosa, generosa com o assédio incansável do cusco, este já alucinando em sua carência de sexo. Ao longo de dois cios, estiveram juntos por mais de vinte dias como um perfeito par de apaixonados, buscando a cópula em todos os recônditos e degraus do pátio. E nada feito. Como parecia ser uma pontaria descalibrada do Luther o que melava o coito e, literalmente, o pátio todo, os donos de ambos, inconformados, partimos para a inseminação artificial em uma clínica especializada. Nada feito também e, soubemos depois, foi melhor assim. Aparentemente, a moça tinha lá bem apertados seus pudores, e se por um acaso a inseminação houvesse vingado, veja só, teria de passar por uma cesariana.

Já estava então me conformando com o destino tragicamente virgem do preto velho quando uma nova candidata apareceu. Chegou num final de tarde, sem muita conversa, sem parecer muito efusiva, embora receptiva ao amor. Nem prestei muita atenção na atividade noturna do pátio, mais preocupado estava com um dedo inchando que ainda me levaria ao pronto-socorro, tinha me metido a apartar uma rusga dos dois na hora de servir a comida. Foi-se embora no outro dia, não sem antes levar de lembrança um pedaço do supercílio do Luther, que não lhe fez falta, curou rapidamente tal como o meu dedo. Dois meses depois, a notícia: oito filhotes, alguns são a cara do pai, me informam. A cara que, só agora percebo, anda com um lampejo novo de tranquila felicidade, mesmo quando esquece a língua pendurada feito gravata frouxa e desvia o olhar, um tanto constrangido de admitir que, a quem morder e de quem parir, são sempre e somente elas que decidem.
Nei Lisboa

(Publicado originalmente no Segundo Caderno de Zero Hora, novembro de 2004,

e no livro "É Foch!", L&PM, 2007)

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Amor ou Posse - Nietzsche


“O nosso amor pelo próximo não será o desejo imperioso de uma nova propriedade? E não sucede o mesmo com o nosso amor pela ciência, pelo saber, pela verdade? E igualmente com todos os desejos de novidade?

Cansamo-nos pouco a pouco do antigo, do que possuímos com certeza, temos ainda necessidade de estender as mãos; mesmo a mais bela paisagem, quando vivemos diante dela mais de três meses, deixa de nos poder agradar, qualquer margem distante nos atrai mais: geralmente uma posse reduz-se com o uso. O prazer que tiramos a nós próprios procura manter-se, transformando sempre qualquer coisa nova em nós mesmos, é precisamente a isso que se chama possuir. Cansar- se de uma posse é cansar-se de si próprio.

Chama também de “amor” a este desejo de uma nova posse que despertou na sua alma e tem prazer nisso como diante de uma nova conquista iminente. Mas é o amor de sexo para sexo que se revela mais nitidamente como um desejo de posse: aquele que ama quer ser possuidor exclusivo da pessoa que deseja, quer ter poder absoluto tanto sobre a sua alma como sobre o seu corpo, quer ser amado unicamente, habitar e reinar na outra alma como o mais alto e o mais desejável.

Se considerarmos que isso não significa outra coisa senão excluir o mundo inteiro do gozo de um bem, de uma felicidade preciosa; se pensarmos que aquele que ama visa empobrecer e privar todos os competidores, e tornar-se o dragão do seu tesouro, sendo o mais implacável “conquistador”, o explorador mais egoísta; se imaginarmos, por fim, que todo o resto do mundo lhe parece indiferente, desbotado, sem valor, e que se encontra disposto a efetuar qualquer sacrifício, a perturbar qualquer ordem estabelecida, a relegar para segundo plano qualquer interesse: então, espantamo-nos que esta cupidez bárbara, esta furiosa injustiça do amor sexual tenha sido a tal ponto glorificada, divinizada, em todos os períodos da história, que se tenha extraído deste amor a idéia de amor concebida como contrária do egoísmo, quando representa talvez a sua expressão mais nítida.

Existe realmente, aqui e além na terra, uma espécie de prolongamento do amor, no qual o desejo que dois seres experimentam um pelo outro dá lugar a um novo desejo, uma nova cobiça, a uma sede superior comum, a de um ideal que os ultrapassa a ambos: mas quem é que conhece tal amor? Quem já o viveu?

O seu verdadeiro nome é amizade.”


(Friedrich Nietzsche)

domingo, 21 de abril de 2019

The Cranberries - Dreams



Oh, minha vida

Está mudando a cada dia

De todas as maneiras possíveis


Oh, meus sonhos

Não são bem o que parecem

Nunca como parecem


Sei que já senti isso antes

Mas agora sinto ainda mais

Porque veio de você

E eu me abro e vejo

Que a pessoa que caía sou eu

Uma maneira diferente de ser


Eu quero mais

Impossível ignorar

Impossível ignorar


Eles vão se realizar

Impossível que não se realizem

Impossível que não se realizem


E agora te digo abertamente

Você tem meu coração

Então não me magoe

Você é algo que eu não pude encontrar


Uma cabeça tão fantástica

Tão compreensiva e gentil

Você é tudo pra mim


Oh, minha vida

Está mudando a cada dia

De todas as maneiras possíveis


Oh, meus sonhos

Não são bem o que parecem

Porque você é um sonho pra mim

Sonho pra mim