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segunda-feira, 22 de abril de 2019

Amor ou Posse - Nietzsche


“O nosso amor pelo próximo não será o desejo imperioso de uma nova propriedade? E não sucede o mesmo com o nosso amor pela ciência, pelo saber, pela verdade? E igualmente com todos os desejos de novidade?

Cansamo-nos pouco a pouco do antigo, do que possuímos com certeza, temos ainda necessidade de estender as mãos; mesmo a mais bela paisagem, quando vivemos diante dela mais de três meses, deixa de nos poder agradar, qualquer margem distante nos atrai mais: geralmente uma posse reduz-se com o uso. O prazer que tiramos a nós próprios procura manter-se, transformando sempre qualquer coisa nova em nós mesmos, é precisamente a isso que se chama possuir. Cansar- se de uma posse é cansar-se de si próprio.

Chama também de “amor” a este desejo de uma nova posse que despertou na sua alma e tem prazer nisso como diante de uma nova conquista iminente. Mas é o amor de sexo para sexo que se revela mais nitidamente como um desejo de posse: aquele que ama quer ser possuidor exclusivo da pessoa que deseja, quer ter poder absoluto tanto sobre a sua alma como sobre o seu corpo, quer ser amado unicamente, habitar e reinar na outra alma como o mais alto e o mais desejável.

Se considerarmos que isso não significa outra coisa senão excluir o mundo inteiro do gozo de um bem, de uma felicidade preciosa; se pensarmos que aquele que ama visa empobrecer e privar todos os competidores, e tornar-se o dragão do seu tesouro, sendo o mais implacável “conquistador”, o explorador mais egoísta; se imaginarmos, por fim, que todo o resto do mundo lhe parece indiferente, desbotado, sem valor, e que se encontra disposto a efetuar qualquer sacrifício, a perturbar qualquer ordem estabelecida, a relegar para segundo plano qualquer interesse: então, espantamo-nos que esta cupidez bárbara, esta furiosa injustiça do amor sexual tenha sido a tal ponto glorificada, divinizada, em todos os períodos da história, que se tenha extraído deste amor a idéia de amor concebida como contrária do egoísmo, quando representa talvez a sua expressão mais nítida.

Existe realmente, aqui e além na terra, uma espécie de prolongamento do amor, no qual o desejo que dois seres experimentam um pelo outro dá lugar a um novo desejo, uma nova cobiça, a uma sede superior comum, a de um ideal que os ultrapassa a ambos: mas quem é que conhece tal amor? Quem já o viveu?

O seu verdadeiro nome é amizade.”


(Friedrich Nietzsche)

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