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domingo, 24 de setembro de 2017

Adoniran Barbosa & Elis Regina - Tiro ao Álvaro



De tanto levar "frechada" do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
"Taubua" de tiro ao Álvaro
Não tem mais onde furar

Teu olhar mata mais do que bala de carabina
Que veneno estriquinina
Que peixeira de baiano
Teu olhar mata mais que atropelamento de "artormove"
Mata mais que bala de "revorve"

C E N S U R A ??? (*)

Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos. Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinquenta.


Inesperadamente, cinco das suas canções foram vetadas, mesmo não sendo inéditas. Diante da linguagem coloquial de “Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Nóis fumo/ Num encontremo ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”, o censor só liberaria a música se ele regravasse cantando assim: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”. Na letra da música “Tiro ao Álvaro” (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), a censora faz um círculo nas palavras "tauba", "revorve" e "artormove", concluindo que a "falta de gosto impede a liberação da letra".

Para que pudessem ser aprovadas, “Samba do Arnesto” e “Tiro ao Álvaro”, teriam que virar “Samba do Ernesto” e “Tiro ao Alvo”. Tiveram o mesmo destino "Já fui uma brasa" (Adoniran Barbosa Marcos César), “Eu também um dia fui uma brasa. E acendi muita lenha no fogão" e "O Casamento do Moacir" (Adoniran Barbosa - Oswaldo Moles), "A turma da favela, convidaram-nos para irmos assistir o casamento da Gabriela com o Moacir". "O Casamento do Moacir” foi considerada de “péssimo gosto” pela censora Eugênia Costa Rodrigues.

(*) Diante da censura, Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as músicas mais tarde, quando a burrice já tivesse passado.

domingo, 17 de setembro de 2017

A troca e a gratidão




O egoísmo exagerado vem do amor excessivo a si mesmo, gera doentia ganância e vaidade supina, alimentada crescentemente por um processo de narcisação, o que raramente se encontra na feira pública, comprando batata doce, porque o vaidoso não vai ao mercado para comprar batata, atitude, considerada pelas suas idiossincrasias, completamente vulgar ou praticada pelas pessoas simples, modestas, não vaidosas. O comércio que ilustra tais “criaturas” é o do ouro, dos luxuosos automóveis ou dos caros imóveis… Também porque o comércio é uma troca, e tais indivíduos não gostam de permutar seu poderoso dinheiro por coisas tão ralés, banais como raízes: inhame, macaxeira ou batata. Ora, não gostam de pagar, porque se acham merecedores de tudo sem dar um tostão em troca… Ou consideram qualquer benefício, que venha de outrem, como meramente um cumprimento do dever ou que tudo lhes advém por mérito. E quando muito, erradamente pensam que a gratidão é uma troca, um “toma lá e me dá cá”; são os mesmos que dizem: “Melhor do que dinheiro no banco é ter amigo na praça”, também deturpando o sentido da amizade. E assim, são naturalmente uns ingratos, vítimas da sensibilidade anormal, embora eles se diagnostiquem completamente normais…

O altruísmo vem do amor aos outros, a outrem, que percebe que aquilo que recebe não era seu, a partir do grande benefício que a vida nos dá, o que proporciona, como prazer, fazer bem aos outros sem exigir agradecimentos. Sobre isso não precisamos citações de cunho religioso, budista ou cristão. Já dizia o filósofo Nietzsche sobre essa sensibilidade normal: “A alma delicada se sente mal quando sabe que receberá agradecimentos”. Porém, essa alma vive a agradecer a magia da vida, benefícios, dádivas recebidas. Há quem liste o que deve retribuir ou agradecer. E quanto mais agradece, mais é grato, mais é feliz. 

O egoísta narciso ou anormalmente enamorado de si mesmo não precisa de lista dos benefícios recebidos, também não chega a esquecê-los, tão somente acha que “aqueles benefícios” já eram seus, está apenas a receber dívidas, o que já lhes pertencia, nada agradece porque tudo merece… E quanto mais é ingrato, mais é infeliz. Se, algum dia, sentir um surto de sã consciência, sofrerá uma dor: o dever da gratidão; Nietzsche filosofa também o outro lado da normalidade: “Uma alma grosseira se sente mal quando sabe que precisa agradecer a alguém”.

Nietzsche para estressados - 05

Quem fica remoendo alguma coisa
se comporta de maneira tão tola
quanto o cachorro que morde a pedra

     O VALOR DO QUE FAZEMOS ou sentimos só pode ser determinado em função de sua utilidade. Se alguma coisa pode ser alterada no presente, vale a pena investir nisso todo o nosso esforço. O problema, como disse Nietzsche, é quando algo que fizemos no passado nos consome, algo que não podemos corrigir.

     Esta é a opinião do mestre vietnamita Tich Nhat Hanh:  

“Quando pensamos no passado podemos experimentar sentimentos de arrependimento ou de vergonha, e, ao pensar no futuro, sentimentos de desejo e medo. Mas todos eles surgem no presente e o afetam. Quase sempre, o efeito que nos causam não contribui para nossa felicidade nem para nossa satisfação. Temos que aprender a evitar esses sentimentos. O mais importante é saber que o passado e o futuro se encontram no presente e que, se nos ocuparmos do presente, seremos capazes de transformar o passado e o futuro.”
  
       Por isso, em vez de morder uma pedra, é melhor pensar no que fazer aqui e agora, com o que temos, para assim melhorar nossa vida.



Extraído do livro "Nietzsche para estressados" de Allan Percy.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Os Melhores Poemas de Vinícius de Moraes - 02 - Pátria Minha


Sobre o poeta Vinicius de Moraes escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.

Vinicius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, e morreu na madrugada de 9 de julho de 1980, aos 67 anos, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral.


Os poemas selecionados foram publicados nos livros “Cinco Elegias”, “Poemas, Sonetos e Baladas”, “Novos Poemas”, “Novos Poemas (II)” “Pátria Minha”, Livro de Sonetos” e “Antologia Poética”.

Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Reminiscências (*) 23



Há quem nunca vá me entender.

Eu odeio, no fundo, toda a moral que diz: "Não faças isto, não faças aquilo. Renuncia. Domina-te ..." 

Gosto, pelo contrário, da moral que me leva a fazer uma coisa, a refazê-la, a pensar nela de manhã à noite, a sonhar com ela durante a noite e a não ter jamais outra preocupação que não seja fazê-la bem, tão bem quanto for capaz entre todos os homens. 

A viver assim despojamo-nos, uma a uma, de todas as preocupações que não têm nada a ver com esta vida: vê-se sem ódio nem repugnância desaparecer hoje isto, amanhã aquilo, folhas amarelas que o menor sopro um pouco vivo solta da árvore; ou mesmo nem sequer se dá por isso, de tal modo o objetivo absorve o olhar, de tal modo o olhar se obstina em ver para diante, não se desviando nunca, nem para a direita, nem para a esquerda, nem para cima, nem para baixo. 

"É a nossa atividade que deve determinar o que temos de abandonar; é atuando que deixaremos", eis o que amo, eis o meu próprio placitum!!! 

Mas eu não quero trabalhar para me empobrecer mantendo os olhos abertos, não quero essas virtudes negativas que têm por essência a negação e a renúncia.
Nietzsche

(*) Segundo Platão, "lembrança do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a visão direta das ideias”.