Diálogo urbano, no meio de um engarrafamento. Carro a carro.
- É nisso que
deu, oito anos de governo Lula. Este caos. Todo o mundo com carro, e todos os
carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia
inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém
consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas
para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior -
tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isto? Será que ninguém se deu
conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a
população e a economia? Que botar dinheiro na mão das pessoas só criaria esta
confusão? Razão tinha quem dizia que um governo do PT seria um desastre, que
era melhor emigrar. Quem pode viver em meio a uma euforia assim? E o pior: a
nova classe média não sabe consumir. Não está acostumada a comprar certas
coisas. Já vi gente apertando secador de cabelo e lepitopi como e fosse manga
na feira. É constrangedor. E as ruas estão cheias de motoristas novatos com seu
primeiro carro, com acesso ao seu primeiro acelerador e ao seu primeiro delírio
de velocidade. O perigo só não é maior porque o trânsito não anda. É por isso
que eu sou contra o Lula, contra o que ele e o PT fizeram com este país. Viver
no Brasil ficou insuportável.
- A nova
classe média nos descaracterizou?
- Exatamente.
Nós não éramos assim. Nós nunca fomos assim. Lula acabou com o que tínhamos de
mais nosso, que era a pirâmide social. Uma coisa antiga, sólida, estruturada...
- Buuu para o
Lula, então?
- Buuu para o
Lula!
- E buuu para
o Fernando Henrique?
- Buuu para
o... Como, "buuu para o Fernando Henrique"?!
- Não é o que
estão dizendo? Que tudo que está aí começou com o Fernando Henrique? Que só o
que o Lula fez foi continuar o que já tinha sido começado? Que o governo Lula
foi irrelevante?
- Sim. Não.
Quer dizer...
- Se você
concorda que o governo Lula foi apenas o governo Fernando Henrique de barba,
está dizendo que o verdadeiro culpado do caos é o Fernando Henrique.
- Claro que
não. Se o responsável fosse o Fernando Henrique eu não chamaria de caos, nem
seria contra.
- Por quê?
- Porque um é
um e o outro é outro, e eu prefiro o outro.
- Então você
não acha que Lula foi irrelevante e só continuou o que o Fernando Henrique
começou, como dizem os que defendem o Fernando Henrique?
- Acho,
mas...
Nesse momento o trânsito começou a andar e o diálogo acabou.
Luis
Fernando Verissimo
Publicado no O Estado
de São Paulo em 28 de abril de 2011.