Caso
Ford/RS?.... Entenda o caso, para não ser demagogo nos comentários
contra o Bigodudo!!!! Este é Gaúcho de Verdade...
A
FORD não ficou no sul, porque queria dar o Golpe do vigário no
Olívio Dutra, ex-governador do Estado e ex-prefeito da Capital,
carregou por uma década e meia o fardo da acusação de ser o homem
que teria atrasado o progresso do Rio Grande do Sul quando estava à
frente do Palácio Piratini. “Mandou a Ford embora”,
diziam seus adversários políticos, ao mencionarem o episódio da
tortuosa negociação entre a gigante automotiva e o governo
empossado em 1999.
Hoje,
pressionada pela possibilidade de uma decisão contrária a seus
interesses, a empresa aceitou fazer um acordo judicial para devolver
R$ 216 milhões aos cofres gaúchos, definindo um desfecho notável
para uma das histórias políticas mais polêmicas dos últimos anos
no Rio Grande do Sul, sobre a qual o próprio ex-governador faz
revelações em entrevista ao Correio do Povo. (Renato
Sousa)
CP:
Como foi quando o senhor chegou no Piratini e deparou com esse
contrato como estava posto para o Estado?
Olívio
Dutra: Bueno, temos que lembrar que nós fizemos uma
campanha na eleição, com uma afirmação constante de um projeto
que queria recuperar o Estado para suas funções básicas. Não um
Estado mínimo, nem um Estado máximo. Mas um Estado não fatiado
pelos interesses privados. Um Estado sob o controle público. Esse
foi o mote da nossa campanha. Nós sabíamos que o dinheiro público
é escasso. E sendo escasso ele não pode ir para quem menos precisa.
CP:
O que era problema na negociação entre a Ford e o Estado?
Olívio
Dutra: Havia dois grandes problemas. O primeiro era a
renegociação da dívida que retirou do Estado fontes importantes
para geração do desenvolvimento. Ora, então, se não tinha
recursos para essas coisas básicas, fundamentais, como é que nós
iríamos passar para a indústria automotiva o que havia sido tratado
com o governo anterior. Por isso, nós tratamos de chamar as empresas
que se instalavam no estado, General Motors e Ford, para conversar.
Passamos, no primeiro mês, recursos enormes. No segundo, não tinha
de onde tirar. Se o Estado não tem esses recursos que foram
acordados pelo governo anterior, vamos tratar outros termos, porque
nos interessa, sim, a presença da indústria, mas não naqueles
termos.
CP:
Quais termos?
Olívio
Dutra: Eram 29 ou 30 cláusulas no contrato. Uma delas era
a obrigação da Ford com o Estado. As demais todas eram obrigações
nossas com a Ford. O Estado tinha que fazer praticamente tudo, no
entorno, repassando recursos que não teria. Não dava para dar
cumprimento àquilo que o Estado não podia suportar. A GM aceitou
conversar.
CP:
A Ford, não?
Olívio
Dutra: Havia algo estranho. A Ford mantinha tratativas com
as pessoas do governo anterior. Tinha apoios na Assembleia
Legislativa, de representantes que faziam nossa oposição. Da
bancada gaúcha na Câmara federal. Da União. Era um ambiente
político muito adverso à execução do projeto que nos levou a
ganhar a eleição. Mesmo assim, fomos dizendo: temos que renegociar.
Nós mantivemos firmeza, mas não se propuseram a mexer em nada,
enquanto que a General Motors possibilitou uma redução de mais de
R$ 100 milhões para sua permanência. A Ford tinha um certo desprezo
pelo governo eleito.
CP::
Na sua visão, ocorreu um choque entre as concepções de projetos?
Olívio
Dutra: Evidentemente, tem diferença entre concepções.
Nós tínhamos uma concepção de desenvolvimento que não é com
base num único ramo de produção. Era pela diversificação da base
produtiva, valorização das vocações locais e regionais, das
micro, pequenas e médias empresas, distribuídas no espaço
econômico, geográfico, social e político do Rio Grande.
CP:
Essa colisão de concepções ocasionou prejuízos para o Estado?
Olívio
Dutra: O Rio Grande cresceu acima da média nacional nos
quatro anos de governo da Frente Popular. Isso está nos registros da
Fundação de Economia e Estatística.
CP:
Quando a instalação da Ford foi anunciada pelo governo da Bahia,
como foi a reação das pessoas no seu governo? O senhor temeu que
fosse ainda mais criticado?
Olívio
Dutra: Nunca pensei nisso. Ora, convenhamos. Na verdade,
era uma disputa entre o então governador aqui, outros governadores
do mesmo partido e do próprio presidente da República para ver quem
dava mais favores para esses grupos. Existia um acordo para a
instalação dessas empresas na região do Mercosul, envolvendo
Brasil e Argentina. Fernando Henrique Cardoso rompeu unilateralmente
esse acordo e estendeu esse território que era delimitado, levando
para o Nordeste, com mais vantagens para a Ford do que ela já tinha
absurdamente conseguido com o governo anterior no Rio Grande do Sul.
Ir para a Bahia? Tudo bem. Que bom. É o desenvolvimento do Brasil,
não é?
CP:
Em nenhum momento o senhor considerou isso como uma perda?
Olívio
Dutra: Não foi o Rio Grande que perdeu a Ford. Foi a Ford
que perdeu o Rio Grande. O Estado se desenvolveu acima da média
nacional sem a Ford. A General Motors ficou, com a redução de mais
de R$ 100 milhões para sua permanência. Os executivos da GM, que
souberam negociar, foram promovidos pelos seus superiores, enquanto
que a direção internacional da Ford destituiu todos os dirigentes
que não tiveram a capacidade de negociar. Essa história não
circulou nunca por aqui. Aqueles caras que representavam a Ford aqui
demonstraram total incapacidade, foram desrespeitosos com o governo
eleito, incapazes de vislumbrar algo diferente, encontrar
alternativas.
CP:
Mas e os empregos?
Olívio
Dutra: Diante da renúncia fiscal e os investimentos
públicos que exigiam, criariam uma merreca de empregos. É emprego
direto, indireto, interplanetário…
CP:
Como funcionava este tipo de isenção tributária naquela
negociação?
Olívio
Dutra: Tem uma pressão para que a grande empresa se
instale aqui. Tem que renunciar de receber impostos por tanto tempo.
Termina aquele tempo, elas vêm para renovar a renúncia.
CP:
O senhor ainda acredita ter tomado a decisão correta?
Olívio
Dutra: Penso que a nossa decisão de ter seguido aquela
postura, com firmeza e com transparência, colocou na prática uma
visão republicana. O Estado não é propriedade do governante, dos
seus amigos, partidários, e muito menos dos grupos mais influentes e
mais poderosos econômica e financeiramente. O Estado tem que ter o
controle público efetivo. Daí a ideia do Orçamento Participativo,
que avançou bastante, mas não o suficiente. O Estado tem que ser
capaz de atender às demandas fundamentais para a qualificação da
vida da maioria da população. Tem gente que tem dinheiro e
qualidade de vida suficiente até para desprezar o Estado, mas a
maioria do povo precisa de um Estado funcionando transparentemente
para atender o interesse público, coletivo, não o interesse
individual. O Estado está sempre em disputa, nas dimensões federal,
estadual e municipal, e essa disputa tem que ser resolvida
democraticamente. Não é estreitando o espaço de participação da
cidadania que nós vamos ampliar o controle público do Estado. Cada
cidadão e cidadã tem que ser sujeito e não objeto da política.
Então, o Estado brasileiro está longe ainda de andar sob esse
controle efetivamente público. É mais uma cidadela dos interesses
dos mais poderosos, dos mais influentes, que se encastelam por dentro
dos mecanismos do Estado, nas três dimensões
CP:
O senhor sente que modificou essa lógica quando atuou na questão da
Ford?
Olívio
Dutra: Nós começamos, evidentemente, a semear essa
mudança. Porque mostramos que o Estado não dependia dessa empresa
ou de qualquer outra grande empresa para progredir. Mostramos que o
Estado se desenvolveu de forma mais parelha, desconcentrada e
descentralizada. Gerou mais empregos e também aumentou a renda dos
trabalhadores. Na administração pública, diminuímos a distância
entre os mais altos salários e os mais modestos, reajustando os mais
altos pela inflação e os mais baixos um pouco acima. Porém, longe
ainda, digamos, de uma estrutura justa.
CP:
O senhor sempre acompanhou o processo judicial ou apenas se informava
quando havia alguma notícia divulgada na imprensa?
Olívio
Dutra: Claro que acompanhava, permanentemente, mesmo
quando saímos do governo. Sempre estivemos em cima. Eles foram
recorrendo até a última instância. Aliás, tinham que pagar mais
de R$ 1 bilhão, na verdade. Mas o atual governo está passando por
necessidades, fez esse acordo e, de novo, a multinacional ganhou,
mesmo perdendo.
CP:
Como o senhor se sentiu ao saber da decisão da Justiça?
Olívio
Dutra: Primeiro eu me lembrei do companheiro Zeca Moraes,
que foi nosso secretário de Desenvolvimento. Ele faleceu antes do
desfecho que nós entendíamos que seria o desfecho. Ele merecia
estar presente nessa dimensão da vida. Evidente que vai ficar ainda
um bom tempo repercutindo. É uma visão de mundo e nossa visão de
mundo não precisa ser necessariamente aceita por outros. Vai ter
sempre quem diga: o Olívio mandou a Ford embora, por impertinência,
mas…
CP:
A Justiça está feita ou ainda há coisas por serem contadas nessa
história da Ford com o Estado?
Olívio
Dutra: Eu acho que sempre tem o que contar. Tem papéis de
figuras, de instituições, clima político, conjunturas. Tem um
capítulo interessante aí, de embate político e visão de
desenvolvimento.
CP:
O senhor já pensou em escrever essa história para deixar
registrada, em um livro, por exemplo?
Olívio
Dutra: Eu até acho que tenho esse dever, mas eu não me
imponho isso. Mas quero que haja respeito à postura republicana e
transparente de um governo democraticamente eleito pelo povo gaúcho.
Decisão essa que não fez mal ao Rio Grande. Pelo contrário,
possibilitou o desenvolvimento desconcentrado, descentralizado, mais
parelho.
*
Por Luiz Sérgio Dibe