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domingo, 28 de agosto de 2022

O MAIS INTERNACIONAL DOS TIMES NACIONAIS

 SEMIFINAL CAMPEONATO BRASILEIRO 1975

FLUMINENSE 0 x 2 INTERNACIONAL

Texto maravilhoso escrito por um torcedor do Fluminense, sobre um partidaço ocorrido no Estádio do Maracanã em 7 de dezembro de 1975, vencida pelo Inter e que marcou a semifinal do Campeonato Brasileiro daquele ano.

O MAIS INTERNACIONAL DOS TIMES NACIONAIS

A festa estava armada. O domingo já anunciava o fim da primavera e antecipava aceleradamente o verão para o biênio 75/76: este seria vibrante! E nada melhor como receber a chegada do verão, vestido com a faixa de campeão brasileiro novamente. Articulamos, logo após a quarta feira anterior quando aniquilamos um dos postulantes ao título, como seria a derradeira movimentação rumo ao título do então Campeonato Nacional. Seria nosso segundo oficial, visto que meia década antes havíamos conquistado o torneio Roberto Gomes Pedrosa, a Taça de Prata como este era conhecido. Dávamos como certa a participação na grande decisão. Nada nos impediria. Nenhum time nacional poderia interpor-se entre nós e o título de campeão. Nenhum!

Esquecemo-nos que nem só de ‘nacionais’ era composta a tabela de times participantes do campeonato.

“ - Não se esqueça do pó de arroz, Palhaninho”, gritava ao telefone meu amigo Ferreira quando pela manhã nos falamos e planejávamos os apetrechos para a grande partida. Jair, mais conhecido como ‘Ezequiel – O Profeta’, vaticinava que sairíamos roucos do Maracanã de tanto que comemoraríamos os gols que ‘A Máquina’ produziria em escala industrial. ‘Mickey’, apelido do meu querido amigo Zé Carlos Morelli, lembrava-nos que cinco anos antes o gol que nos dera o título de campeão brasileiro havia sido marcado pelo artilheiro de nome igual a sua alcunha, e que fora em razão deste gol que ele recebera o apelido, pois passara a pedir, nas partidas de futebol disputadas no campo do Clube Confiança a partir de então, que cruzassem a bola igual a que fora cruzada na partida do título para que ele pudesse repetir o mergulho que Mickey, o jogador autor do gol do título, dera. E cabeceando magistralmente a bola, colocou-a para dentro da rede adversária dando-nos o desejado título de campeão. Não haveria surpresa: o título nacional seria nosso! Já tinha dono.

Esquecemo-nos que nem só de ‘nacionais’ era composta a tabela de times participantes do campeonato.

Concentramo-nos em minha casa. Perto do estádio e com amplo quintal, exercitávamos o desfraldar das bandeiras em ritmado balé da vitória enquanto sorríamos a ostentação da certeza que denuncia os vencedores, numa clara preparação da marcha que faríamos até o grande templo, o Estádio Mario Filho, o Maracanã de tantas glórias vividas por nós, ainda jovens torcedores mas já acostumados aos entorpecentes efeitos das conquistas. Não nos importava que o adversário, em jogo realizado em seu campo, aplicara-nos uma vitória límpida e insofismável; talvez a única deste porte em todo decorrer do campeonato. Comentei com Evandro, mais sensato que os demais:

“ - O time deles impõe respeito. Tem jogadores de alto nível. E um deles conhecemos bem”. Referia-me ao ponta esquerda Lula. Durante 6/7 temporadas defendera nossas cores, fora nosso mais destemido aliado, autor de jogadas que geraram gols nas finalizações por nossos atacantes bem como gols feitos diretamente, inclusive o que nos deu a conquista de um campeonato. Conhecíamos bem seus dotes, o que me preocupava até porque no comando do ataque outro ex-tricolor, Flávio Minuano. Juntos nos deram muitas, muitas vitórias. Agora estariam contra nós. Coisas da vida, do destino. Aliados aos grandes jogadores que compunham a equipe adversária, goleiro, zagueiro e meio-campistas tínhamos que não imaginar logro fácil e nos preparar para uma partida ‘osso duro de roer’.

Evandro não discordou, olhou para mim sério e torcendo os lábios em clara manifestação de apreensão deixou escapar que só a presença de craques não daria a vitória a nenhum dos dois times. Esta viria com a apresentação de um componente acima das capacidades individuais dos grandes jogadores; acima da experiência dos outros consagrados por conquistas históricas; acima da voluntariedade heroica de outros jogadores. Ela, a vitória, a conquista da vaga para a grande final viria em um item até então pouco utilizado em nossa cultura na prática de esportes coletivos: viria da união entre o virtuosismo, a sagacidade empírica e a determinação. Viria da solidariedade!

Embora concordássemos nos cuidados, confiantes éramos na certeza da conquista. Já havíamos decifrado, acreditávamos, as armadilhas que nos impuseram na derrota sofrida quando lá, nas terras do adversário, estivemos. E a certeza que nenhum time ‘nacional’ tinha competência para nos vencer, sedimentava-se.

Esquecemo-nos que nem só de ‘nacionais’ era composta a tabela de times participantes do campeonato.

O jogo foi dos mais maravilhosos que assisti em toda minha vida. Parecia que estávamos em um grande festival de música com orquestras harmoniosamente ensaiadas; de dança, onde os dançarinos flutuam sobre o palco; de declamação de poesia, com poetas que nos enternecem a alma com seu lirismo, tal qual a qualidade dos atores envolvidos na apresentação daquela belíssima partida de futebol. Aos poucos a confiante torcida, por mim e meus compadres, passou a não ser tão confiante assim, como era no início do jogo. Impossível não ser contagiado pelo futebol daquele adversário que jogava ao som harmonioso ao tocar na bola, com passos de valsa ao trocarem de posições em suas jogadas tão ensaiadas e finalizarem ao gol com a poesia dos sonetos ritmados.

Tentavam nossos jogadores acompanhar a performance que exibiam nossos adversários mas, talvez tão embevecidos, como nós torcedores, assistissem encabulados, tímidos em tentar o que viam com excelência ser praticado pelo adversário. Era apenas a componente que ditaria o curso do vencedor: a solidariedade.

Nossos jogadores eram virtuosos, experientes e determinados; mas de forma isoladas, sem elo.

Dois gols assistimos eu, meus compadres e todos os demais, quase 100 mil pessoas. Hoje, plateia impensável; lá, ainda pouco pelo que o mais internacional de estádios nacionais mundo afora poderia receber. Dois gols em verdadeiros conjuntos de virtuosismo, experiência e determinação; dois gols que nos fizeram lembrar que nenhum time entre todos os ‘nacionais’ poderia nos vencer; dois gols sendo o primeiro de Lula, justo Lula!; dois gols que nos fizeram lembrar que nem só de times ‘nacionais’ era composta a tabela de times participantes do campeonato: havia um time Internacional! 

Havia um Internacional para desfilar na passarela, no campo do mais internacional dos estádios de futebol. E havia um time que não poderia ser outro qualquer a ser o coadjuvante desta apresentação. Um time que protagonizava qualquer outra apresentação, mas que reconhecia a presença do Internacional, adversário naquela tarde de domingo já perto do final da primavera, que trazendo o calor e o brilho do sol de verão mantinha a beleza das flores primaveris.

“ - Palhaninho, por que não estou triste com a derrota?”

“ - Porque não fomos derrotados” disse de forma plácida a meu amigo Ferreira. “As derrotas pertencem aos que, perante os fracos, não os superam. Enfrentamos uma força superior. E o fizemos com legítima propriedade. Enfrentamos uma força Internacional!”

Assistimos no domingo seguinte a consagração deste Internacional. O vencedor do campeonato nacional de futebol possuía a internacionalidade de sê-lo”.

Álvaro Palhano de Jesus




terça-feira, 2 de agosto de 2022

Sugestões para atravessar Agosto


“PARA ATRAVESSAR AGOSTO é preciso paciência, fé e não fé.

Paciência para cruzar os dias sem  se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau;

Fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro e

Não-fé para não ligar a mínima, às negras lendas deste mês de cachorro louco.

Também é necessário reaprender a dormir. 

Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. 

São incontroláveis os sonhos de agosto:

se bons, deixam a vontade impossível de morar neles; 
se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. (...)”

Caio Fernando Abreu