Posted by Nowmastê × 24/06/2014 at 10:15
Todos os meses, o astrólogo, músico e pensador Carlos Walker traz ao Nowmastê aquilo que nomeou como Mitográfico. Trata-se de um texto onde imagens, mitos, observações e conhecimentos se mesclam e conduzem o leitor à reflexão. Dessa vez, ele fala sobre a importância das jornadas internas e externas. E a coragem necessária para empreendê-las.
Não lembro ao certo o ano, era uma semana de lua cheia e sob o céu zodiacal do Caranguejo, a velejadora Izabel Pimentel, singrou sozinha, esfumaçados mares azuis, numa viagem de Cascais, Portugal, até Fortaleza . Esta brasileira, num veleiro de 21 pés conseguiu cruzar 5.300 milhas náuticas de Oceano Atlântico. Ao completar tal saga marítima, Izabel entrou para a história da vela nacional como a primeira velejadora a fazer solitariamente esta viagem.
O simbolismo da mulher é múltiplo e complexo, desdobrando-se em infinitas faces. Na mitologia celta e germânica vemos a Mulher-Cisne deslizar misteriosamente. Dentro dos significados dignatários representam-na como Sofia, a personificação das Ciências e Maria como representação das Virtudes. Em outras iconografias surge como a Esfinge. Ou o corpo de mulher com a cabeça de Leão ou vice-versa.
Vemos também os aspectos infernais e de dissolvência da mulher, em sua viagem noite adentro. A sedução assaltante, lúgubre das Lâmias e sibilantes Sereias que hipnotizam a nós, descalços e distraídos pescadores. De todos os prismas míticos, ainda não nos chegou a mulher que alquimie nossos desejos nacionais com os dons temperados das amostras simbólicas acima.
Do porto, a visão espiritual da viagem não é o mover-se em distanciamento no espaço mas viver a tensão borbulhante da busca pelo desconhecido, onde alguma revelação final ficará para sempre, íntima e incógnita. Na boca trancada do mar. Aos olhos abertos do céu.
Os barcos incrustrados nas moedas antigas simbolizavam as Boas Novas. O barco-nave indica a primitiva Igreja-templo, mito da elevação para a Luz-de-Deus. Diz o poeta-navegador que “navegar é preciso, viver não é”. Do barco funerário no Mar Negro ao barco solar no Mar Mediterrâneo, viajar é preciso. Como aspirar, inspirar, idealizar e projetar!
Uma seita turca dos Kalenderi obriga os seus fiéis discípulos a viajarem continuamente. Segundo Jung, psicólogo suíço,“viajar é a imagem da aspiração do anseio nunca saciado”.
Os heróis são sempre viajantes. Comigo, penso: Viajar é entrar por uma porta megalítica no tempo e sair por outra porta automática no espaço. É pesquisar e estudar, não apenas com livros mas também com as forças do pensamento! É viver intensamente o novo e o profundo. E rever o velho, como rastro para intuir o já apagado ou esquecido. Quem, dos homens e mulheres públicos deste país gigante e insano compreendeu essa missão e destino?
Viajar é traçar uma diagonal, debaixo para cima, na espiral da Existência. E deixar-se evoluir, re-diagramando os limites psicológicos de nossas metas e crenças.
O arquétipo da viagem é a peregrinação daquilo que é mais sagrado para se encontrar. Dentro de nós e para sempre.
Hallaj, um místico árabe foi martirizado por pregar que a peregrinação à Meca fosse uma busca interna. Viajar é atingir o “Centro” como saída do labirinto. É o insigth da saída onde antes mesmo de sairmos já não estamos mais ali.
Todos nós, brasileiros, vivemos ainda esta viagem nítida e estranha sobre as vagas profundas de nossas escaldadas ilusões. No último meio século, desviamos nossas metas com orações erradas, dirigidas a pseudo-salvadores-técnicos da pátria. Viramos clandestinos em nosso próprio barco, nas mãos de capitães-piratas, disfarçados em trabalhadores civis da pior dicção e oratória. E hoje, qual a diferença entre eles ? PT, PSDB, PMDB, DEM, PSOL? Todos barcos furados nos levando à contínuos naufrágios.
Como teste batismal de espírito público, para adentrar às Políticas, todo condutor de um destino coletivo deveria primeiramente e sozinho enfrentar o mar revolto. Já pensaram? O Congresso e as Assembleias estariam dramaticamente desertos!
Por nada mais esperar destes homens e mulheres, (de quepe disfarçado em colarinho branco) só me resta o desejo de um dia surgir inesperadamente do horizonte deste país, um ser assim como Izabel. Lúcida, corajosa e de ação solitária para transformar esse triângulo invertido do mapa do Brasil, quem sabe, numa vela em losango ao vento rumo a um futuro sonhado.
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