INFIÉIS DA PRÓPRIA VIDA
Nossa
vida está perdendo consistência. Espessura. Segurança. Estamos mais sujeitos a
mudar do que a insistir.
Estamos
mais sujeitos a nos separar do que a permanecer casados.
Estamos
mais sujeitos a ir embora do que a voltar para casa.
O
mundo está tomado de mutantes, zeligs, camaleões, transformers.
Se
algo incomoda, se algo atrapalha, o botão Desapego é rapidamente acionado.
Como
não pretendemos sofrer, caminhamos para a total insensibilidade. Deixa-se o
começo por outro começo. Não há mais meio ou fim, o que vigora é a desistência.
Substituímos
a responsabilidade pela ideia de liberdade.
Experimentar
é a lei – fazer patrimônio e futuro não tem sentido.
Anteriormente,
nos dedicávamos à família. Agora, nossa obsessão é o prazer pessoal. Danem-se
as complicações.
A
aparente leveza se assemelha a desenraizamento.
Buscamos
chegar logo, não olhar a paisagem. A velocidade é o que nos provoca. Buscamos
desembarcar logo num novo destino, não nos vale a estrada. A viagem deve ser
curta e indolor, jamais reflexiva e longa.
Não
estou sendo dramático. Na infância, tínhamos três canais de tevê. Hoje, são
mais de 300. A variedade nos conduz a não nos fixarmos em nada durante grande
tempo.
Ter
um romance longo é quase uma insanidade, assim como ler um livro de 400 páginas
ou assistir a um filme de três horas.
Não
oferecemos chance para permanência, para a rotina, para a confirmação das expectativas.
Não
toleramos o desgaste, o tentar o possível antes de se despedir. Sacrifício e
renúncia são expressões banidas do vocabulário, significam burrice. “Perder
tempo com alguém, com tanta gente interessante por aí?” é o que nos dizem.
O
oi já é um convite, o tchau já é um adeus, não existe relacionamento seguro e
firme que suporte a tempestade de contradições.
São
muitos apelos para biografias imaginárias. São muitas opções de ser diferente,
que nem descobrimos quem somos.
É
sempre alguém nos chamando no Facebook ou nas redes sociais com uma história
incrível, extraordinária, afrodisíaca, que é um crime não provar.
É
sempre alguém oferecendo conselhos, dicas, sugestões.
Repare.
O mundo virou sábio de repente: todos têm soluções, ninguém mais convive com
seus problemas.
Não
me refiro à infidelidade amorosa, mas ao quanto somos infiéis com o nosso
passado.
Não
é trocar de parceiro ou parceira, mas trocar de tudo: largar emprego, cidade,
amigos, esportes, manias.
Troca-se
de mentalidade mais do que de opinião.
E
é tão fácil descartar, difícil é refinar a própria vida.
Mas
se você concluiu a leitura desta crônica, ainda há esperança.
Esperança
de não virar a página por um momento.
Fabrício Carpinejar
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