Tem o tipo contido, frio(a) que só gelo baiano na madruga de São Paulo. O sujeito ou a desalmada que mesmo que ame, segura o diabo do “eu te amo” até o túmulo. Para esse tipo, como li em um conto de “A vida como ela é”, só chegando mesmo com uma navalha na jugular. Não tem jeito. Nem na hora da morte.
Quero me dirigir, porém, ao avesso dessa gente siberiosa.
Amigo(a), se você é do tipo que diz “eu te amo” de uma forma, digamos assim, precoce e irresponsável, na afoiteza das primeiras e belas noites na alcova, como já tanto o fez este pusilânime cronista, prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, digo, “se liga”, como verbalizam os avexados mancebos da hora.
Se a gazela for safa, sábia, mal algum há em tal pronúncia, até apreciará o empolgante anúncio como uma poesia de fundo, como se uma música de Sérge Gainsbourg – Je t’aime moi non plus - estivesse tocando no quarto de motel barato àquela altura.
Pensará a moça, bem baixinho, “que doce vagabundo”. Terá sido apenas um pequeno crime, como
num bolero, um “besame mucho”, um cha-cha-cha num Caribe imaginário, cortinas ao vento, lua caliente lá fora, barulho de caminhões no asfalto.
Sim, a gazela pode entender como um “eu te amo mesmo, de verdade, verdadeira, assim como Deus sobre todas as coisas”.
Que mal há nisso?
Quantos amores à vera começaram com um “eu te amo” de brincadeira?
Nesses tempos de amores líquidos, de amores ficantes, de amores-vinhetas de 15 segundos, quem saberá o que venha a ser o amor patenteado pelos deuses incas ou gregos?!
O melhor mesmo é dizer, sem medo, eu te amo, e honrá-lo pelo menos enquanto o sublime eco resistir entre aquelas abençoadas quatro paredes.
E se ela acreditar, ora, ora, manda um “eu te amo, meeeesssmmmoooo”.
Com olhinhos revirados, vamos mais fundo ainda: “Eu te amo até o fim dos tempos”.
Se ela não tá nem aí, você se vira para o piano e ordena, como no filme Casablanca, mesmo que estejam atravessando a avenida Afonso Penna em Belo Horizonte, seis horas da tarde, buzinaço, hora do ângelus: “play it again, Sam!”
E manda mais “eu te amo”, como um estribilho do vento, nas oiças da desalmada, até ela acostumar com a natureza humana do macho que veio ao mundo com um cowboy solitário que tem apenas um mantra, uma bala no coldre dos sentimentos: “eu te amo, porra”.
Monocórdico sr. das sombras cujo cardiograma é um terremoto de “eu te amos”, como um sismógrafo nervoso a riscar o mostrador da maquininha que mede os tremores demasiadamente humanos de todos os cardiologistas particulares.
Antes um “serial lover” a dizer eu te amo como um cuco desembestado a um elíptico e silencioso cabra safado que guarda os “eu te amo” para a hora do chifre - uma vez largado o vagabundo dispara “eu te amo” como em um descontrolado soluço.
Donde baixa um Esopo fabulador para deixar a moral da crônica: mais vale um “eu te amo” que entre por um ouvido e saia pelo outro do que um silêncio mortal de um homem que nunca se empolga e deixa a gazela achando que “eu te amo” é coisa só de novela e de filme americano.
Não acha? Ou você é do tipo frio que narrei lá na cumeeira da crônica? Como diz uma amiga lindamente desbocada: tem cool de legal, ok etc, e tem cool de cu é rola, o cool no sentido dessa gente siberiosamente perigosa.
P.S. Se alguém souber a autoria dessa ilustração do post, grite, por favor. Não consegui descobrir para creditá-la. Gracias, amiga Karina Vieira, recifense que torna NY mais elegante, pela imagem.
Xico Sá é escritor e jornalista, colunista da Folha
Crônica a ser publicada na Folha de São Paulo - 06/11/2013
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